Fernando Neto – Em primeiro lugar
bem-haja pela disponibilidade e amabilidade em conceder esta entrevista. Está a
ser elogiada por toda a população Canense, esta iniciativa dos festejos carnavalescos
em conjunto com a Associação do Paço. Poder-se-á concluir que valeu a pena tal
harmonia?
Celeste Borges – Absolutamente. Mas, atenção, à «harmonia» o que é da
«harmonia» e à «rivalidade» o que é da «rivalidade» entre os dois bairros. Não
nos esqueçamos que está no nosso «despique» a verdadeira «alma» do nosso
carnaval. E foi a tradicional «rivalidade» entre Paço e Rossio que o tornou
ancestral. Portanto, para que não se façam confusões, a dita «harmonia» foi só
em termos de organização deste evento, pois ambas as associações e, porventura,
o público em geral, conseguiram rentabilizar e aproveitar melhor os recursos
disponíveis. Quanto ao despique, ele manteve-se tão aceso como de costume.
Fernando Neto – Carnaval, um dos
mais velhos de Portugal. Muito se tem falado que esta “riqueza” da Vila poderia
ser melhor aproveitada através da criação de uma Fundação. O que acha desta
ideia e em caso de concordar com a sua criação por quem deveria ser dirigida?
Celeste Borges – Quem assim fala, não conhece o nosso carnaval nem,
muito menos, Canas de Senhorim. Primeiro, há que conhecer a sua história. O
nosso carnaval nasceu no simbolismo de uma rivalidade entre dois lugares - o
Paço, como antigo lugar dos poderes político e religioso, e o Rossio, como
lugar do povo. Claro que, hoje em dia, Canas já não se dispõe desta forma. Mas,
no carnaval, esse simbolismo (luta de lugares, luta de classes, luta entre
povo/poder) mantêm-se. E, é bom que assim se mantenha, porque essa é a marca da
sua particular característica. No dia, em que o nosso carnaval não for assim –
carnaval feito, festejado e rivalizado, pelas mãos e gestos dos dois bairros
fundadores da nossa comunidade - haverá carnaval, mas nunca mais será o nosso
carnaval canense. Está neste despique, a verdadeira alma do carnaval de Canas
de Senhorim. Ora, sendo qualquer «alma» matéria exclusiva de Deus, diria que
para presidente, da dita Fundação, só dava mesmo Ele – o próprio Deus.
Fernando Neto – Pedro Pinto,
Presidente da Associação do Paço disse recentemente numa entrevista:
“[…]achamos que o papel da Junta deveria ser mais interventivo ao longo da
história do Carnaval. Talvez hoje o Carnaval de Canas fosse diferente.”
Concorda com este ponto de vista?
Celeste Borges – E o que nós dizemos é que: a Junta ou a Câmara têm,
apenas, que apoiar as associações no limite das suas possibilidades e das suas
obrigações e compromissos políticos. De resto, isto não é matéria da sua
competência nem da sua vocação. Ou, seja, cada um no seu lugar. Aliás, esta
ideia de institucionalizar o movimento associativo, nem sequer é novo, já é
velho. Embora, quem fale nisso se ache sempre muito moderno em relação aos
demais. Mais ainda, acha-se até pós-moderno. Claro que, o nosso carnaval seria
diferente. Para aí um corso abrasileirado com uns putativos candidatos a
presidente de Junta de Freguesia lá pelo meio, armados em «cabeçudos».
Fernando Neto – Todos sabemos que
os subsídios oficiais atribuídos às Associações são escassos e não chegam para
as despesas. Sendo o Carnaval de Canas tradicionalmente gratuito não seria
melhor criar "sistemas" que o rentabilizem e que se juntariam às
ajudas e subsídios? Por exemplo, licenças limitadas, para vendedores ambulantes
com prioridade para os produtos da região, circulação interdita numa grande
parte da vila com parques de estacionamento pagos à entrada, etc.?
Celeste Borges – Ó Sr. Neto, lá está você com as suas perguntas e os
seus «sistemas» de comercialização. Aqui, por mais voltas que se dê todos os
anos, a «massa» é sempre pouca. Imensos, só o trabalho e a vontade dos homens e
das mulheres do Rossio. Dinheiro é preciso para o carnaval. Mas, carnaval não
vive só de dinheiro. Vive, sobretudo, do trabalho, da vontade e da alegria do
seu povo. No dia em que o carnaval de Canas de Senhorim for um mero comércio,
depois do parque de estacionamento, dos vendedores ambulantes, etc, também lá
chegarão os desfiles brasileiros em lugar dos nossos tradicionais corsos.
Fernando Neto – O que pensa da
ideia de um “Museu do Carnaval”, e a sua possível localização, para
salvaguardar o património etnográfico da maior festa de Canas de Senhorim?
Celeste Borges – Acho uma bela ideia. O Rossio está pronto a trabalhar
em prol disso. E matéria-prima não lhe falta.
Fernando Neto – Noutros tempos,
as mulheres punham um xaile nas costas, os homens prendiam o lenço de pescoço
com uma caixa de fósforos, as carroças enfeitavam-se com mimosas, no Rossio
andava-se às voltas no "Ferro de Engomar", no Paço dançava-se no Adro
da Igreja... e assim era o nosso Carnaval! Do seu tempo de menina até hoje
sente que a “Alma do Carnaval Canense” não se esgota no tempo?
Celeste Borges – Não, não esgota. Será que as almas podem ficar paradas
no tempo? Claro que não podem. Mudam-se os tempos,
mudam-se os costumes, parafraseando o Zé Mário Branco. Mas, o espírito é o
mesmo. Hoje e amanhã.
Fernando Neto - Como sabe isso?
Celeste Borges – Porque, dentro dos meus filhos, sinto esse espírito
vivo. Ou seja, essa mesma alma continua viva!
Fernando Neto – Para terminar
quer deixar aqui aos nossos leitores as futuras iniciativas da Associação do
Rossio?
Celeste Borges – Primeiro pagar dívidas. Preparar as Marchas de S. João
e preparar as eleições dos novos corpos gerentes.
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