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sábado, 20 de abril de 2013

Dos 2 Lados - Março



Já não existe desigualdade entre homens e mulheres? Não existem ainda representações tradicionais sobre o papel da mulher? Para a socióloga Isabel Dias, “estas questões não se dissiparam ainda completamente. Ainda vivemos um processo de mudança ao nível das mentalidades e na forma como a própria sociedade representa a mulher na família, na sociedade, na política ou noutro domínio qualquer”. Vou saber a opinião de algumas amigas colocando-lhes a seguinte questão: 

Fernando Neto - Se o 25 de Abril trouxe grandes conquistas para as mulheres, há ainda alguns passos a dar no caminho para a igualdade?
Patrícia Santos - É claro que existem desigualdades, e nada está terminado. Lutamos todos os dias para alcançar mais... Não somos iguais aos homens, nem queremos ser, mas somos indivíduos com a mesma potencialidade profissional, e a sociedade acredita nisso? Existe muito ainda para alcançar! E ser mãe é diferente de ser pai, e infelizmente é um condicionante para a profissão e carreira. A igualdade é uma palavra difícil...
Dores Fernandes - A revolução do 25 de Abril de 1974 conduziu, sem dúvida, a profundas alterações na sociedade portuguesa e em particular no papel da mulher. A Constituição de 1976, ao estabelecer a igualde de género, abria não só a possibilidade de participação política, mas também de acesso às mesmas funções que os homens. No entanto, a conquista de lugares de liderança pelas mulheres não foi um processo rápido, porque a mentalidade de um povo demora o seu tempo a interiorizar as mudanças. Não esqueçamos que a emancipação da mulher que hoje é aceite e até banal, como o acesso ao mercado de trabalho, as saídas noturnas, a prática de desporto foram conquistas ao longo do século XX. O papel da mulher na família e na sociedade foi-se afirmando aos poucos. Há, no entanto, algum caminho a percorrer. A igualdade de género não é, ainda, um valor universal na sociedade portuguesa, basta vermos a quantidade de mulheres vítimas de violência doméstica, para facilmente compreendermos que esta não é respeitada por todos. Persistem resquícios, na nossa sociedade, da representação mental do papel da mulher como submissa ao homem no contexto da família. Esta é uma questão da cultura das sociedades onde a religião tem uma forte influência na veiculação de valores. A mulher continua a ter uma representação de si própria como menos apta para a tomada de decisões e que o seu papel principal deve ser o de “dona de casa” e cuidadora dos filhos e por isso vemos menor percentagem feminina do que masculina nos cargos políticos. Mas esta é uma realidade em mudança. A mulher tem-se afirmado pelas suas capacidades de gerir a sua carreira profissional e familiar. A adaptação a esta realidade é também um facto, basta observarmos a quantidade de mulheres que exercem lugares de liderança no nosso país em todas as áreas. A questão das quotas de representatividade política é outra evidência. Veja-se no Parlamento, como a intervenção feminina é pertinente e reveladora de preparação. A mulher mostra ser tão capaz como o homem e a sociedade está a assimilar esta alteração. Em suma, a problemática da luta pela igualdade não se coloca com a veemência do tempo antes do 25 de Abril, mas ainda persistem vestígios da ideia de que à mulher cabe ser submissa e ocupar certos papéis e aos homens outros. Só o fluir do tempo conduzirá à transformação da mentalidade na nossa sociedade.

Ana Adelaide Abranches Matias - Concordo plenamente com a socióloga, ainda à muita mentalidade para mudar em relação às mulheres neste mundo, onde o machismo impera. Nos grandes grupos, ou mesmo nos grupos financeiros, não sabemos de nenhuma mulher que ocupe os lugares de liderança, no topo da cadeia. São sempre os homens que ocupam esses lugares. Até na política nós sabemos, que hoje em dia já há algumas mulheres com assento parlamentar e até a exercer cargos de ministras, mas nunca vimos nenhuma mulher como 1ª ministra ou como presidente da república. Mesmo os secretários gerais dos partidos são homens. Por isso, enquanto não olharmos para as mulheres como um ser igualmente capaz de exercer este tipo de funções, não podemos falar em igualdade.

Carmo Dinis - O processo de modernização e de democratização, que se seguiu ao 25 de Abril, lançou o país em políticas de combate à discriminação das mulheres, nos domínios social, económico, cultural e político. Não esqueçamos que, em Portugal, só a partir de 1974 é que as mulheres alcançaram o direito de votar pela primeira vez. Progressivamente as mulheres foram sendo reconhecidas como cidadãs de plenos direitos, acedendo a todas as profissões, pois até aí, na sua grande maioria apenas viviam para o lar, para os seus filhos, para a sua família. Confrontamo-nos com uma realidade de emancipação historicamente muito recente e com um percurso bastante difícil. A desigualdade de direitos entre homens e mulheres é ainda uma realidade, havendo ainda um longo caminho a percorrer para que se processe a mudança que se impõe ao nível das mentalidades e na forma como a própria sociedade representa a mulher, na família, na política ou nas mais diversas áreas. Se é verdade que atualmente as mulheres constituem uma parte importante no mercado de trabalho e se regista uma acentuada melhoria do seu nível de educação e formação profissional, inversamente ao que se registava no passado, não é menos verdade que continuam a existir disparidades entre os géneros em muitos domínios. Para além da maternidade restringir as taxas de emprego feminino, sendo que as mulheres continuam a assumir uma maior responsabilidades para cuidar dos filhos, as mulheres acedem ainda a salários mais baixos e, por norma, estão sub-representadas nos cargos de decisão e têm estado quase sempre afastadas dos cargos mais elevados das hierarquias. Deram-se, sem dúvida transformações notáveis, mas a verdade é que não se mudam mentalidades por decreto. E, por conseguinte, para além de ser imperioso estimular a criatividade e o espírito participativo, é necessário apostar na formação e em toda uma educação permanente, formal e não formal, sendo que a Educação é essencial para a realização plena da igualdade entre mulheres e homens, com benefícios inquestionáveis para a economia, para o bem-estar de todos e ainda como um processo para que se promova a justiça.
Liliana Domingos - Embora as conquistas das mulheres, depois do 25 de Abril, tenham sido muitas, ainda se observa uma desigualdade muito grande entre géneros, tanto a nível social, como económico e político. Apesar de a mulher apostar cada vez mais na sua educação e na sua formação académica, são muito poucas as que ocupam cargos de chefia nas suas profissões. No que diz respeito às remunerações, existe uma disparidade muito grande, o que não é justificável. A mulher gere o seu tempo entre a família, a casa e o trabalho. Apesar de todas as alterações no estatuto e nos direitos da mulher, e de todas as lutas pela igualdade, somos ainda vistas como seres frágeis. Há ainda muita coisa a mudar, principalmente mentalidades. É preciso que olhem para nós como pessoas competentes, fortes, inteligentes, seguras e capazes de vencer. Por falar em fragilidades: Enquanto pensei neste texto e fui formulando a minha opinião, fiz o jantar, pus uma máquina de roupa a lavar, arrumei a cozinha, estendi a roupa e tratei do gato. O sexo forte? Estava sentado no sofá, a ver um jogo qualquer para a liga dos campeões.Ai a igualdade!
Cátia Marques - O conceito de Igualdade será sempre ele próprio um caminho em obras. Nos tempos de escola lembro-me da minha surpresa inocente ao descobrir "A Declaração Universal dos Direitos Humanos" (na altura denominada "Direitos do Homem"). Achei cavernoso o facto de ter de existir uma nomenclatura para direitos que eu julgava me serem inerentes. Na mesma medida em que, na minha cabeça, me consternou a ideia que esses mesmos direitos divergiam consoante o género humano. Por esse motivo, não encaro o termo “conquista” o mais adequado nas mudanças proporcionadas ao género feminino pelo acontecimento de 25 de Abril. Considero que nos foram apenas restabelecidos alguns dos direitos básicos, princípios que seriam naturalmente adquiridos. Valorizo a luta, e as alterações claramente cruciais para o reconhecimento da mulher enquanto cidadã, enquanto membro activo e participativo numa sociedade. No contexto familiar a questão é ainda, temo, um pouco estereotipada, e apesar de a maioria das mulheres estarem integradas no mercado de trabalho - como os homens - e serem financeiramente independentes, as mentalidades não se mudam com leis. Pior se passa no âmbito da religião, o palco maior da desigualdade entre géneros, onde esta é veiculada até aos dias de hoje e cuja influência é notoriamente forte. Abril e a sua revolução, mais do que uma conquista, representa a restituição da dignidade.
Um agradecimento a todas as mulheres que se dispuseram a transmitir aos nossos leitores a sua visão sobre este tema.
©Fernando Neto

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