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domingo, 30 de junho de 2013

Editorial - Junho 2013



Tudo, à excepção de Deus, tem uma causa. A causa da presente crise é a perda do sentido do outro. A revolução individualista desencadeou uma cultura egocêntrica e uma mentalidade egolátrica. O eu está no centro ou em cima. O outro encontra-se ao lado ou em baixo. É certo que nunca estivemos tão perto uns dos outros. Mas também é verdade que nunca nos teremos sentido tão distantes uns para os outros. O mal não é ser diferente. O mal é passar a ser indiferente. Infelizmente, estar perto nem sempre costuma equivaler a ser próximo. Afinal, há distâncias que nem a pouca distância consegue eliminar. O outro tende a ser visto como espectador e instrumento da afirmação do eu. O eu parece gostar de se afirmar perante os outros e também à custa dos outros. No fundo, cada eu sente-se detentor de todos os direitos. Cada outro é encarado como portador de todos os deveres. Isto afecta não apenas o eu pessoa. Afecta também — e bastante — o eu grupo, o eu país. Cada grupo propende a não pensar nos interesses dos outros grupos. Cada país propende a não ter em conta a situação dos outros países. Enfim, aos outros mostramos a cara, mas, ao mesmo tempo, viramos as costas. O problema do nosso país não é conjuntural; é estrutural. Os outros não nos ajudam. Estão a lucrar com a nossa ajuda. Os outros não estão a pensar em nós. Estão, antes de mais, a pensar neles. Mas será que, em Portugal, estaremos a pensar uns nos outros? A doença dos outros não será também a nossa enfermidade? Eis a síntese do nosso tempo: tanta gente perto; tanta gente só! Todos vivem ao lado de todos. Mas ninguém parece saber de ninguém. Às vezes, só muito depois da morte é que alguém se apercebe da ausência. Aos olhos de muitos, será que alguém é mais que ninguém? É óbvio que, no tropel que mudanças que estão em curso, o eu ganha muito. Mas arrisca- se a perder o mais importante. A lógica do lucro valoriza a transacção comercial e subestima o serviço gratuito. Ainda há muitos que servem. Mas são cada vez mais os que se servem a si mesmos. O self service é uma prática e é sobretudo um sinal. Servir está a ser um verbo cada vez mais reflexo. Para não poucos, servir é, acima de tudo, servir-se. É urgente perceber que nada somos sem os outros. Inferno não são os outros. Inferno é viver sem os outros, contra os outros. Não é incorrecta a máxima de Descartes: «Penso, logo existo». Mas é mais correcta a advertência de Sampaio da Nóvoa: «Penso nos outros, logo existo». De facto, não existo plenamente quando penso. Só existo verdadeiramente quando penso nos outros. Existir é nunca desistir dos outros.
João Teixeira

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