Tudo, à excepção de Deus, tem uma
causa. A causa da presente crise é a perda do sentido do outro. A revolução
individualista desencadeou uma cultura egocêntrica e uma mentalidade
egolátrica. O eu está no centro ou em cima. O outro encontra-se ao lado ou em
baixo. É certo que nunca estivemos tão perto uns dos outros. Mas também é
verdade que nunca nos teremos sentido tão distantes uns para os outros. O mal
não é ser diferente. O mal é passar a ser indiferente. Infelizmente, estar
perto nem sempre costuma equivaler a ser próximo. Afinal, há distâncias que nem
a pouca distância consegue eliminar. O outro tende a ser visto como espectador e
instrumento da afirmação do eu. O eu parece gostar de se afirmar perante os
outros e também à custa dos outros. No fundo, cada eu sente-se detentor de todos
os direitos. Cada outro é encarado como portador de todos os deveres. Isto
afecta não apenas o eu pessoa. Afecta também — e bastante — o eu grupo, o eu país.
Cada grupo propende a não pensar nos interesses dos outros grupos. Cada país propende
a não ter em conta a situação dos outros países. Enfim, aos outros mostramos a
cara, mas, ao mesmo tempo, viramos as costas. O problema do nosso país não é
conjuntural; é estrutural. Os outros não nos ajudam. Estão a lucrar com a nossa
ajuda. Os outros não estão a pensar em nós. Estão, antes de mais, a pensar
neles. Mas será que, em Portugal, estaremos a pensar uns nos outros? A doença
dos outros não será também a nossa enfermidade? Eis a síntese do nosso tempo:
tanta gente perto; tanta gente só! Todos vivem ao lado de todos. Mas ninguém parece
saber de ninguém. Às vezes, só muito depois da morte é que alguém se apercebe
da ausência. Aos olhos de muitos, será que alguém é mais que ninguém? É óbvio
que, no tropel que mudanças que estão em curso, o eu ganha muito. Mas arrisca- se
a perder o mais importante. A lógica do lucro valoriza a transacção comercial e
subestima o serviço gratuito. Ainda há muitos que servem. Mas são cada vez mais
os que se servem a si mesmos. O self service é uma prática e é sobretudo um
sinal. Servir está a ser um verbo cada vez mais reflexo. Para não poucos,
servir é, acima de tudo, servir-se. É urgente perceber que nada somos sem os outros.
Inferno não são os outros. Inferno é viver sem os outros, contra os outros. Não
é incorrecta a máxima de Descartes: «Penso, logo existo». Mas é mais correcta a
advertência de Sampaio da Nóvoa: «Penso nos outros, logo existo». De facto, não
existo plenamente quando penso. Só existo verdadeiramente quando penso nos
outros. Existir é nunca desistir dos outros.
João Teixeira
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