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quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Aristides de Sousa Mendes, o Cônsul injustiçado



Há 134 anos, precisamente a 19 de julho de 1885, nascia Aristides de Sousa Mendes, em Cabanas de Viriato, um homem que pôs de lado a sua individualidade e se dispôs a trabalhar em prol do salvamento de milhares de pessoas em risco. Foi contra as ordens do seu superior, Oliveira Salazar e acabou por sofrer as duras consequências do seu ato. Sousa Mendes foi um dos maiores exemplos de respeito pela integridade humana da História do século XX, no Mundo. 
Corria o ano de 1940, a Alemanha nazi avançava sobre a Europa Ocidental, milhares de pessoas fugiam do III Reich e dos campos de concentração de Hitler. Foi neste cenário de guerra e de crueldade humana, que surgiu a ação de Aristides de Sousa Mendes, o cônsul português em Bordéus. Quando rebentou o conflito mundial, este consulado e todas as embaixadas portuguesas receberam a Circular 14, na qual o Presidente do Conselho ordenava que recusassem passar vistos a "estrangeiros de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio; aos apátridas; e aos judeus, quer tenham sido expulsos do seu país de origem ou do país onde são cidadãos”.
Apesar das ordens superiores, Sousa Mendes começou a passar vistos, tendo recebido, por isso, uma advertência de Salazar. Segundo se diz, terá exclamado: "Se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus". Assim, Sousa Mendes iniciou um caminho sem volta e entre 20 e 23 de Junho de 1940, com a ajuda da família e de alguns colaboradores, passou mais de 30 mil vistos, 10 mil dos quais a judeus. Com o armistício francês a 22 de Junho de 1940 e sob pressão do Governo português, Aristides saiu de França de regresso a Portugal, mas no percurso para Espanha, continuou a passar vistos a todos aqueles que pediram ajuda. 
Após a chegada a Lisboa, Aristides foi condenado à inatividade, por um ano, das funções de diplomata e o seu salário reduzido a metade e, ao fim daquele ano, foi compulsivamente reformado, sem auferir qualquer remuneração e impossibilitado de exercer advocacia. Começou, por isso, a passar necessidades, pois era chefe de uma família numerosa, tendo acabado por aconselhar os seus filhos a emigrar. Dois destes terão participado no Desembarque na Normandia (6 de junho de 1944), como membros do exército americano. Nos anos seguintes, Aristides de Sousa Mendes tentou recuperar os seus direitos, mas Salazar jamais podia aceitar que um funcionário seu fosse contra as suas ordens e não sofresse, com isso, um exemplar castigo. O “Cônsul injustiçado” morreu a 3 de Abril de 1954, na mais absoluta miséria.
Em 1967, Aristides passou a ser o único português a fazer parte dos Righteous Among the Nations  (Justo entre as Nações), no Yad Vashem Memorial em Israel, além de ter uma floresta com seu nome no estado israelita com 10 mil árvores, o número de judeus que salvou, inaugurada em 1994. Em Portugal, só em 1988, teve o seu nome reabilitado e em 1998, o Parlamento Europeu homenageou-o como um herói. Também neste mesmo ano, a Fundação SHOA recolheu documentação, em Lisboa, sobre a sua ação, tendo em vista a investigação sobre o holocausto. A Associação dos Diplomatas Portugueses criou o Prémio Aristides de Sousa Mendes para a investigação anual de política internacional mais relevante para as relações externas portuguesas, em sua homenagem. No ano 2000, a ONU homenageou vários diplomatas, entre os quais o português Sousa Mendes, na exposição Visas for Live.
Recentemente, em junho de 2013, Eric Moed, um jovem arquiteto de 25 anos, dos EUA, decidiu homenagear Aristides quando soube que o seu avô, de nacionalidade belga, foi um dos sobreviventes do Holocausto que o Cônsul salvou. Assim, Eric Moed dedicou a sua tese de fim de curso a esta personalidade e à recuperação da Casa do Passal, a residência familiar do cônsul, em Cabanas de Viriato onde o mesmo deu acolhimento a refugiados, no ano de 1940. O objetivo da tese é transformar a casa em museu e foi com esse objetivo que o arquiteto se candidatou ao concurso “Desempregado do Ano”, da Unhate Foundation, nos EUA, patrocinado pela Benetton. O prémio atribuído permitiu dar início ao seu projeto, a que deu o nome de “Work Towards Fairness” (Trabalhar em Prol da Justiça), com o apoio da Sousa Mendes Foundation, dos EUA.
Assim, foi construído um minimuseu temporário, assente numa estrutura acrílica que Moed enviou de Nova Iorque, montado entre as colunas da entrada principal da Casa do Passal, com apoio de pessoal da Câmara Municipal de Carregal do Sal e da Junta de Freguesia de Cabanas de Viriato. A parte exterior dos 3 pavilhões da estrutura está revestida com 30 mil assinaturas de Aristides de Sousa Mendes, simbolizando o nº de refugiados que o cônsul português salvou. Desta exposição constam ainda fotos, na maioria de judeus salvos pelo cônsul e painéis com depoimentos sobre a sua ação humanitária, nomeadamente dos seus netos.
Aristides de Sousa Mendes desrespeitou as ordens superiores, porque decidiu que o valor real da vida humana era mais importante que a política, um princípio cívico que hoje não praticamos. Criticando ou não a sua posição de contrariar Salazar, que era o Presidente do Governo do seu país, a realidade é que Aristides salvou mais de 30 mil pessoas e manteve a sua posição até ao final dos seus dias. Numa época em que parece que os valores humanistas se perderam e ao analisar a vida deste “Grande Português”, compreendemos que é importante pararmos e darmos valor aos outros, valorizando as relações humanas.

Dores do Carmo Cerveira Fernandes

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